Mídia / Jornal Fera

Estudei na cidade e voltei para ajudar a resgatar a cultura do meu povo

23/11/2016

“Quando eu era pequeno, não queria estudar... Mas minha mãe, apesar de não saber ler, escrever ou falar português, sempre pedia para eu me dedicar porque sabia que era importante. Ela costumava correr atrás de mim de manhã para confirmar se eu ia mesmo para a aula. Até o 3º ano eu estudei na aldeia Gãpgir, localizada na Terra Indígena Sete de Setembro, a 60 quilômetros de Cacoal, interior de Rondônia. Concluí o Ensino Fundamental 1 em Riozinho e depois fui estudar em uma escola agrícola, em Cacoal. Nesse período, eu tive que morar na cidade, na casa do meu irmão.

Entrei na faculdade de Direito, mas tranquei no final do 1º semestre e passei um mês sem trabalhar ou estudar. Quando surgiu uma vaga para lecionar na escola da aldeia, me indicaram, pois era um dos únicos que tinha Ensino Médio. Resolvi tentar a experiência. Já no primeiro ano, eu comecei a trabalhar com projetos. Em 2010, entrei no curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), na cidade de Ji-Paraná, e, no final, fiz estágio em escolas urbanas. Foi bem difícil, mas também foi uma grande oportunidade para mostrar para os alunos da cidade, por exemplo, como era o trabalho indígena.

Já para dar aulas na aldeia, a maior dificuldade é a escassez de recursos. Além da estrutura física, os materiais didáticos que recebemos do governo precisam ser adaptados e retrabalhados para o nosso contexto, considerando as questões indígenas. Pesquisas na internet, que demandam tempo, só consigo fazer na cidade. Mas, como professor, fui além da minha expectativa e da dos alunos e hoje estou há cinco anos ensinando na tribo com uma metodologia dinâmica, em que aprendemos uns com os outros.

A volta para a comunidade foi justamente o que me capturou para a docência. Vi muita mudança, e fiquei interessado em valorizar a memória do nosso povo. Percebi que tinha como fazer o registro e o resgate das histórias e mostrar a importância disso para as crianças e os adolescentes. Quero que conheçam e preservem as raízes dos Paiter, além de que se entendam como sujeitos de povos indígenas, parte dos processos históricos.

Sou professor e pesquisador, levo a sério o que faço e gosto de estar atualizado. Aguardo a chamada para um concurso do estado, em que eu passei. Mas também quero fazer mestrado em Antropologia na Universidade de Brasília (UnB). Se eu for selecionado ou convocado, vou precisar abrir mão do trabalho aqui por dois anos. Em dezembro, lanço um livro em que conto a memória de meu pai e dos nossos ancestrais. Meu papel é registrar as memórias dos que vieram antes de nós para os que virão depois de nós.”

Luiz Weymilawa Surui, professor de História e Geografia da EIEFM Sertanista José do Carmo Santana, na aldeia Gãpgir, no interior de Rondônia e Educador Nota 10 de 2016.

Depoimento a Maggi Krause

Fonte: Nova Escola