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Mais de 1,8 mil presos se preparam para provas do Enem no ParanáFonte

28/11/2013

Nos dias 3 e 4 de dezembro, 1.839 presos das penitenciárias do Paraná vão realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL). O exame dá a oportunidade aos detentos para concluirem os estudos ou concorrerem a uma vaga no Ensino Superior. Pensando no futuro, 67 presos do regime fechado da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa (PEPG), na região dos Campos Gerais, decidiram encarar as provas e ainda, pediram à direção para que fosse aplicado um reforço em sala de aula.
Segundo a pedagoga da penitenciária, Ana Lucia Kulcheski, em 2012, 53 detentos realizaram as provas, mas ninguém conseguiu nota suficiente para iniciar uma faculdade. Ela explica que vários presos que buscaram a conclusão do Ensino Médio conseguiram encerrar algumas matérias, porém, não foi o suficiente para ganhar a certificação. “No ano passado, não tivemos uma preparação tão forte. Já para a prova deste ano, eles pediram para serem melhores preparados”, afirma.
A direção da penitenciária aceitou a ideia e adaptou um projeto de literatura já desenvolvido entre os presos. Segundo a coordenadora do projeto, Josiane Franzo, no ano passado, o trabalho relacionava música com escritores clássicos brasileiros. “A gente levou, por exemplo, a letra do Roberto Carlos e um texto do Carlos Drummond de Andrade para eles analisarem. Com isso, percebemos que eles adoram literatura e absorvem muito mais do que os outros porque estão focados em uma só coisa”, comenta.
Em 2013, a decisão foi trabalhar apenas com o Enem. “Invés de música, decidimos aproximar os filmes aos livros e trabalhar com a interpretação deles. É como se fosse uma aula de cursinho”, afirma. Segundo ela, a interpretação é uma questão chave para realizar o exame, que é recheado de enunciados longos.
Como funciona o projeto
De acordo com o vice-diretor da penitenciária, Maurício Ferracini dos Santos, dos 67 inscritos, vinte foram selecionados para participar das atividades de reforço. “Nossa equipe pedagógica identificou um grupo com dificuldades de aprendizagem para participar do projeto. Os demais continuaram com a preparação na escola da penitenciária”, esclarece.
De agosto a novembro, uma vez por semana, o grupo se reuniu na biblioteca da PEPG para aprofundar os conhecimentos literários. “Durante esses meses, nós percebemos as dúvidas e as necessidades que eles tinham com relação ao Enem e trouxemos para eles”, explica a estagiária responsável pelas aulas, Karine Gorgut.
Filmes, como “Memórias Póstumas”, baseado na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis, foram exibidos nas aulas e discutidos com os alunos. Segundo ela, o debate despertou entre os presos interesse na leitura. “Teve fila de espera na biblioteca para emprestar o livro”, revela. Ela conta que a situação foi a mesma com o filme “Dom”, adaptação da obra “Dom Casmurro”, também de Machado de Assis.
Na terça-feira (26), o último dia de aula antes das provas foi diferente. Ela reuniu uma série de questões dos exames passados e pediu para que os alunos fizessem as provas. De mesa em mesa, tirou as dúvidas e depois, corrigiu cada questão. “Foi um período curto de preparação. Por isso, para o ano que vem, os presos solicitaram que as aulas iniciem em janeiro pensando no Enem 2014. Estamos aguardando a decisão final da direção”, declara.
Alunos do projeto
O detento Ricardo Cosme de Souza, de 29 anos, é um dos alunos do projeto. Ele entrou na penitenciária em dezembro de 2011 e ainda tem mais 2,5 anos para cumprir a pena. Enquanto isso, ele decidiu estudar para concluir o Ensino Médio. Em 2012, Souza fez as provas do Enem. Conseguiu encerrar o módulo de matemática, mas ainda faltam física, filosofia e sociologia para ganhar o certificado de conclusão dos estudos.
Neste ano, Souza decidiu participar do projeto de Literatura. “Procurei por incentivo de outros presos e só depois disso fui despertar o gosto pela leitura. Com os filmes, consegui gravar o assunto e adquirir mais conhecimento”, afirma. Por já conhecer como o exame funciona, ele sabe que a prova vai ser difícil. “Dessa vez, vou com mais calma. Por isso, espero tirar uma nota boa e concluir as disciplinas que faltam do Ensino Médio. Quando sair daqui, posso pensar em uma faculdade ou em um curso profissionalizante”, declara.
Diferente de Souza, Josnei Krauzucki, de 38 anos, espera conseguir pontos suficientes para cursar uma faculdade. Dentro da penitenciária, ele já fez vestibular para o curso de direito para a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e também, participou do Enem por quatro vezes seguidas. Nesta quinta oportunidade, ele acredita estar tranquilo e preparado. “Vou tirar proveito das outras provas que já fiz e usar dessa experiência”, afirma. Mesmo sabendo que tem mais quatro anos para cumprir a pena, Krauzucki revela que vai continuar com os estudos dentro da penitenciária.
Já Carlos Augusto Janacievicz, de 26 anos, vive outra situação. Há dois meses ele conquistou o direito de seguir para o regime semiaberto. Enquanto aguarda uma vaga, não deixa de estudar e de se preparar para o Enem. “Meu objetivo é me atualizar e conseguir uma vaga na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) para quando eu for para o semiaberto”, afirma.
Espero tirar uma nota boa e concluir o Ensino Médio. Quando sair daqui, posso pensar em uma faculdade ou em um curso profissionalizante"
Ricardo de Souza, detento
Como já fez o Enem em 2012, ele acredita que pode ser prejudicado nas questões que envolvem temas atuais. “Aqui dentro a gente não tem muito conhecimento do que acontece lá fora. Não temos acesso à TV, nem a jornais. Tivemos uma apostila para nos atualizar, mas acredito que esta será a parte mais difícil da prova”, revela. A motivação do Janacievicz é saber que pode mudar de regime prisional a qualquer momento e assim, ter a chance de cursar uma faculdade.
Enem para presos
As provas serão aplicadas nos dias 3 e 4 de dezembro. Segundo o vice-diretor da PEPG, a penitenciária solicita para que, nessas datas, não haja transferência de presos. “Nós mudamos todo o esquema de movimentação para dar suporte a esses presos que vão fazer as provas”, esclarece. O exame é aplicado em quatro salas de aula da penitenciária.
Em todo o país, 30 mil detentos e pessoas que cumprem medidas socioeducativas irão fazer o Enem. A procura foi 28,12% maior do que em 2012, quando 23,6 mil realizaram a inscrição. No primeiro dia de prova, os presos respondem às questões de ciências humanas e suas tecnologias e de ciências da natureza e suas tecnologias, com duração de 4 horas e 30 minutos. No segundo dia, é a vez das provas de linguagens, códigos e suas tecnologias, redação e matemática, com duração de 5 horas e 30 minutos.
De acordo com o vice-diretor, os presos que estiverem para seguir para o regime semiaberto e conquistarem boas notas, podem cursar uma faculdade por meio de um pedido judicial. Já aqueles que forem aprovados e ainda têm um período para cumprir a pena, precisam aguardar a concretização de um projeto da penitenciária. “Desde 2012, queremos viabilizar cursos superiores à distância. Em Guarapuava, isso já é uma realidade. Aqui em Ponta Grossa, esperamos que, em 2014, possamos dar essa oportunidade aos presos”, revela.


Fonte: G1 educação