Mídia / Jornal Fera

O cenário que precisa mudar

08/06/2017

Há poucos meses, uma importante revista brasileira trouxe em sua capa Rachel Maia, CEO da joalheria Pandora. Se você não a conhece ou não ouviu falar a seu respeito, Rachel é a única CEO negra do Brasil. Embaixo de sua imagem, uma provocação “por que ela ainda é uma exceção? ”. Aquela pergunta me impactou e fez com que eu fizesse outras duas: por que ainda me causa surpresa ver uma mulher na posição de líder e, de fato, por que Rachel ainda é uma exceção? Em um texto anterior, eu comentei sobre como o próprio mercado faz com que as mulheres deixem de almejar – ou que é possível alcançar – um cargo de liderança. Porém, é preciso ir além e questionar um pouco mais: em tempos em que temas como diversidade vem ganhando mais espaço dentro das empresas, por que a porcentagem de mulheres negras em cargos executivos não chega a 0,4% (conforme dados levantados pelo Instituto Ethos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – DIB)?

Para Patrícia Santo, criadora da EmpregueAfro, consultoria em gestão de pessoas, diversidade étnico-racial e inclusão, a diversidade em si ainda é um tema delicado. “As pessoas no Brasil ainda têm um pouco de resistência ao falar dessas questões. As empresas, quando olham para diversidade, elas têm que saber que vão mexer em feridas sociais”, explica. Atuando com RH, ela criou a EmpregueAfro em 2004 com o objetivo de ajudar jovens negros a entrarem no mercado de trabalho. O que começou como um projeto social, hoje atende empresas de grande porte, como IBM e a PricewaterhouseCoopers – PCW, e é referência na questão.

Patrícia explica que o assunto se torna ainda mais complexo quando se trata da participação da mulher dentro das empresas. “A sociedade é extremamente machista. O processo de seleção e de promoção privilegia os homens. É a pior barreira para uma mulher crescer, ela ser avaliada pelo seu gênero e não pela sua competência”. Logo, incluir mulheres negras e, principalmente, possibilitar seu crescimento, vai de encontro a duas barreiras: o racismo e o machismo. E para que isso mude, é preciso ocorrer uma mudança interna nas empresas, visando promover não apenas o conhecimento, mas também a empatia. “Tem que se trabalhar com programas de valorização da diversidade e inclusão, é preciso ter conhecimento sobre o tema. Se a pessoa não tem conhecimento, ela não se engaja. A empresa tem que ter a consciente da dificuldade para que todos desenvolvam sentimento”.

A falta de representatividade impacta diretamente na presença dessas mulheres dentro de empresas e, principalmente, em cargos de liderança. “Nós precisamos ter mais mulheres como referência, a Rachel é única. E ela só é por ter vivido nos Estados Unidos por muitos anos, ela tem um histórico. A gente precisa de referência, acreditar que é possível, ver que outras conseguiram e chegaram lá”. Somos levadas, por diversos fatores, a acreditarmos que simplesmente não é possível alcançar determinados objetivos.

Agora, imagine isso agregado à baixa representatividade. A impossibilidade de se enxergar em determinado lugar ou posição, muitas vezes, faz com que as dúvidas sejam maiores do que a vontade de chegar lá.

Em uma sociedade na qual 51,5% são mulheres e metade são mulheres negras – segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, do IBGE, em 2011, o número correspondia a 50,2 milhões de brasileiras – fica cada vez mais difícil não questionar por que sua participação é tão pequena. Porém, enquanto mudanças estruturais – sociais e mercadológicas – precisam ser feitas, algo já está muito claro: o futuro está nas mãos da diversidade e, principalmente, das mulheres. O motivo? Elas detêm o poder, literalmente. “A maioria da população economicamente ativa é negra, eles são quem compra. Não tem outro caminho no mercado brasileiro onde a maioria é feminina, é de mulheres negras. Elas têm poder de compra, de decisão. Se elas não se veem na propaganda, elas não comprar.”.

Em uma mesa de diretores, Patrícia ouviu um contar como havia notado que, ao tentar falar sobre diversidade em sua empresa, se deu conta de que, ao seu redor, havia um mesmo grupo composto por homens brancos, heterossexuais e com faixa etária por volta de cinquenta e sessenta anos e que, ao perceber isso, se deu conta de que ali não havia ninguém que verdadeiramente saberia atingir o público desejado. Não é o “wake up call” desejado, mas é fundamental, pois, tal consciência faz com que, ainda que com o objetivo de adotar medidas para atingir um público-alvo, a diversidade entre em pauta, afinal, não é possível agradar um cliente sem conhecê-lo.

Não é o bastante e nem o ideal, mas esse é um passo importante, pois, traz a necessidade de se falar sobre inclusão e levanta questionamentos internos, o que, invariavelmente, chega à questão da presença feminina dentro da empresa em si. Não dá mais para aceitar que, em um painel com nove CEO, Rachel seja a única e, principalmente, a única negra. Como Patrícia diz, “chegou a hora desse cenário mudar”. E chegou faz tempo.

Fonte: Universia Brasil | Por Sttlea Vasco